Precarização do comunicador no mercado de trabalho
- Luciana Costa
- 24 de out. de 2018
- 8 min de leitura
Atualizado: 2 de jan. de 2021
Trabalhadores e estudantes falam sobre ilegalidade de empresas na seleção de funcionários
Por Ananda Almeida, Eduarda Marques, Hannah Sombra, Luciana Costa, Mariana Campos e Pedro Vinícius
A comunicação abrange uma série de profissionais de diferentes setores, os quais têm sido desvalorizados por entidades que, em busca de um custo benefício, optam por práticas antiéticas e, em alguns casos, ilegais ao contratar funcionários.
Hoje em dia, é visto um cenário crescente de precarização dos graduandos e recém-graduados na área de comunicação. Há pessoas com formação acadêmica em carência de emprego, que optam por alternativas mais viáveis para sustentar-se e em contrapartida, outras possuem carga de trabalho excessiva e, por muitas vezes, não são sequer formados.
Na ânsia por mão de obra barata algumas instituições optam pela contratação de estudantes estagiários para suprir as necessidades da empresa. Mas até onde essa prática afeta o desempenho dos negócios e dos próprios contratados?

ORIGEM HISTÓRICA
Na década de 1940 a questão do diploma veio à tona na América Latina como uma forma de tentar profissionalizar o exercício do jornalismo, que começava a se expandir. A ideia foi apoiada tanto pelas universidades, que esperavam o crescimento do número de matrículas, como pelos jornalistas, que torciam por um possível aumento no salário pois como a qualificação agora seria maior, a oferta de profissionais diminuiria e assim os seus salários poderiam subir.
Entretanto, desde que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram (em 2009) que o diploma jornalístico não seria obrigatório para o exercício da profissão tornou-se comum no dia-a-dia de um jornalista, ainda mesmo na faculdade, se ouvir a seguinte frase “Faz jornalismo para que se nem precisa de diploma para exercer a profissão?”. Ações como essa contribuem para que a figura do comunicador - não somente o jornalista, incluindo designers, relações públicas, publicitários, etc… - seja vista de maneira inferior e tenha sua credibilidade e importância rebaixadas.
COMO DEVERIA SER
A dinâmica de funcionários, em uma empresa de comunicação, segue um padrão pré estabelecido. Serve como uma hierarquização para manutenção da ordem geral no ambiente de trabalho. Em tese, dentro de uma empresa de comunicação os cargos e responsabilidades são divididas dessa forma:

No entanto, a prática costuma ser diferente. É o que nos conta uma estudante de jornalismo que prefere não ser identificada. A jovem tem 19 anos e cursa o 5º semestre de jornalismo na Universidade Paulista - UNIP. Com um contrato de 6 horas diárias de serviço, totalizando 30 horas semanais, ela estagia em um dos ministérios em Brasília e nos contou que, apesar do título de estagiária, realiza todas as tarefas que um jornalista sênior deveria fazer
"Antes eu cuidava só do Facebook e recentemente criamos um Instagram, mas depois que mudei de sala comecei a fazer mais coisas."
A estudante diz que gosta do seu trabalho, mas a falta de estrutura e o excesso de afazeres dificultam e deixam-a sobrecarrega: “Até tem internet, mas é tão ruim que precisei aumentar o plano do meu celular para conseguir trabalhar. Tem computadores também, mas alguns sites são restritos, por isso eu levo o meu computador pessoal. Caso haja algum evento a ser coberto eu preciso levar a câmera com o cartão de memória, porque o ministério não tem. Tudo isso pode ser bom, porque me proporciona mais conhecimento, e eu sempre pesquiso muito mais pra fazer as coisas, mas ao mesmo tempo, é bem desgastante.”
Durante a entrevista a jovem contou que, apesar disso, seu horário consegue ser flexível em relação aos estudos. Na semana de provas e trabalhos, ela diz que consegue um tempo a mais para estudar, contanto que a folga seja avisada com antecedência, o que não a prejudica no desempenho acadêmico.
Em contrapartida, conversamos com Ronayre Nunes, 25, que está cursando o 8º semestre de jornalismo na Universidade de Brasília - UnB. Ronayre, assim como a estudante citada acima, também presta 6 horas de estágio por dia durante a semana, mas o estágio no jornal Correio Braziliense nunca o submeteu à tarefas que fugissem do seu acordo inicial:
“Eles querem que você aprenda a ser um jornalista. Daí você vai buscando sobre o que quer aprender. Se quer fazer mais texto para a internet, se quer trabalhar mais com o impresso... É bem isso. Nunca precisei fazer algo que não fosse relacionado às atividades de estagiário.”
O universitário relatou que apesar de ser cansativa a experiência de conciliação entre estudo e estágio, ele consegue manter os dois sem precisar abrir mão de muitas coisas: “Eu nunca deixei de fazer nada da Unb por causa do Correio, às vezes fica bem apertado, claro, mas nunca deixei de fazer. O que acontece é, por exemplo, eu querer sair fim de semana e não poder, porque sabia que preciso estudar e na semana não vou ter muito tempo pra isso.”
Por se tratar de um jornal de grande porte, o Correio Braziliense possui capacidade e estrutura para comportar seus estagiários e conceder a eles condições de aprendizado durante sua formação acadêmica, mas empresas de pequeno e médio porte ainda optam pela sobrecarga de trabalho para estudantes. Em uma pesquisa feita pela nossa equipe observa-se que 49% dos estagiários alega prestar serviços além dos acordados em seus contratos e que fogem de sua função inicial.
DEVERES E DIREITOS DOS ESTAGIÁRIOS
Quando o assunto é estagiário, sempre há uma piadinha sobre o salário, sobre a qualidade do serviço ou qualquer outra característica que seja sinônimo de um trabalho inferior. O que nem todo mundo percebe é que os estagiários compõem uma parcela importante do mercado de trabalho.
Os dados retirados do site da Associação Brasileira de Estágios (ABREs), mostram que hoje o número de estagiários é de 1 milhão, sendo 740 mil para o ensino superior e 260 mil para o ensino médio e técnico. O maior número de vagas é oferecido para os estudantes de Administração (16,8%), Direito (7,3%), Comunicação Social (6,2%), Informática (5,2%), Engenharias (5,1%) e Pedagogia (4,2%).
Segundo o artigo 1º da lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008: “O estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.”
Estágio é uma forma de trabalho educacional que não gera nenhum vínculo empregatício com a empresa contratante. Por isso é muito comum que as empresas acolham esses jovens profissionais.
Na área de comunicação, o estágio pode ser o primeiro contato nesta segmentação. Geralmente é exigido dos estudantes comunicadores habilidades com programas como InDesign, Photoshop, Illustrator e outros programas para confecção de banners digitais e textos. Além disso, é comum que o contratante solicite questões específicas, como o estudante saber lidar com as redes sociais.
Antes de começar um estágio, é importante que o estudante saiba que existe uma legislação que o protege e ajuda a entender melhor suas obrigações.
ENTENDENDO MELHOR AS LEIS DO ESTÁGIO
A empresa tem um papel importante no contato do estudante com o mercado de trabalho. Cabe a ela, ofertar estruturas que proporcionem ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural.
A estudante de jornalismo, que prefere não se identificar, contou que seu estágio é supervisionado por uma socióloga e que isso gera mais trabalho a ela, que, quando tem dúvidas, recorre a pesquisas na Internet.
É dever da instituição exigir do educando relatórios das atividades exercidas em seus estágios. Por isso a cada 6 meses as atas devem ser atualizados de modo que a universidade cumpra seu papel de zelar pelo seu aluno e orientá-lo (tanto em suas ações quanto no remanejamento do estágio) no caso de ilegalidades.
Algumas instituições também oferecem estágios e entram como papel de empresa, contudo, a vaga ofertada é uma ajuda com o estágio obrigatório.
Em resposta a nossa entrevista, a coordenadora do curso de jornalismo da Universidade Paulista- Campus Brasília, Raquel Sacheto, conta como funciona esse estágio na instituição:
“São oferecidas atividades que fazem com que ele cumpra as horas de estágio obrigatórias no curso, mas não é um estágio remunerado! É um estágio para que ele cumpra o que é exigido pela a matriz curricular do curso. Então o aluno vai fazer atividades jornalísticas voltadas para própria universidade”.
O estudante, que é estagiário, deve ficar atento a jornada de estágio, que será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou o representante legal. A carga horária não deve ultrapassar 20 horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental e na modalidade profissional de educação de jovens e adultos. No caso dos estudantes do ensino superior, essa quantidade aumenta para 6 horas diárias e 30 semanais. É assegurado também um recesso de 30 dias para os jovens que trabalham por 1 ano.
Muita gente não sabe, mas existe um número legal para contratação por empresa. Também é assegurado por lei que a empresa indique um profissional formado na área para orientar e supervisionar o estagiário, sendo em proporção de um para dez estagiários, respectivamente. A disposição de estagiários para empregados é feita da seguinte forma:

Com o domínio das redes sociais na sociedade, muitas empresas estão interessadas em contratar alunos de comunicação para cuidar dos seus perfis sociais. E como a mão de obra é barata, os contratantes acabam não prestando atenção, ou mesmo ignorando, a quantidade máxima de educandos para o número legal de profissionais supervisores.
Em resposta a nossa equipe, o Coordenador Geral do Sindicato dos Jornalistas, Gésio Passos, conta que o Sindicato defende a lei do estágio e diz que as empresas devem respeitar a proporção legal:
“Tem limites de contratação de estagiários por número de profissionais. Vamos pegar a empresa inteira e falar “A empresa inteira tem contador, administrador, faxineiro, advogado” não! Tem que pegar a proporção do número de jornalistas. A gente defende que o número de estagiários de jornalismo seja proporcional ao número de jornalistas contratados, conforme a lei do estágio”
Ele nos conta ainda, que há uma cláusula relacionada ao trabalho estagiário na convenção coletiva dos trabalhadores desde os últimos dois anos e que lutam pelo cumprimento da legislação tanto por parte das empresas e instituições, como por parte dos estudantes.
É fundamental que todos conheçam seus papéis antes de firmar acordo. No caso de descumprimento de qualquer obrigação contida na legislação ou no termo de compromisso fica caracterizado vínculo empregatício do aluno com a empresa, para todos os fins trabalhistas e previdenciários.
COMO ISTO AFETA?
Além de sobrecarregar os estudantes, a qualidade do trabalho da empresa perde pontos, visto que o trabalho de um profissional é muito diferente do trabalho de um estagiário. É uma escolha entre preço e qualidade, afinal um bom profissional custa caro.
Outro grupo que fica prejudicado são os experts que perdem seu espaço dentro das empresas. O diploma passa a ser um problema.
Um exemplo disso é a jornalista Thaís Rodrigues. A brasiliense de 22 anos se formou em Comunicação Social - Jornalismo em 2017 e desde então procura emprego remunerado na sua área:
“Sou redatora de um site de matérias esportivas que funciona no formato de jornalismo colaborativo, está ajudando a enriquecer o meu portfólio de jornalista. É ótimo, mas não é remunerado.”
Na opinião da jovem, as empresas deveriam empregar os recém-formados para que eles possam ser treinados e ensinados sobre o funcionamento da empresa dentro de suas áreas de formação e desse modo os alunos ganham experiência.
Thaís não é a única nessa situação; a designer Laryssa Ribeiro (20) relata o dilema do dia-a-dia profissional e desvalorização de seu trabalho na empresa que está atualmente. Ela possui diploma em Design Gráfico pelo IESB, mas trabalha ganhando o valor que um estagiário receberia e desabafa sobre como se sente diante dessa situação:
“Eu me sinto bem triste, porque você espera que depois da faculdade venha um trabalho legal, você se esforça pra aquilo. Quando você não é reconhecido e começa do zero você é como um estagiário mesmo. Como se tivesse acabado de começar.”
Além do salário abaixo do esperado, a designer fala também, sobre a mão de obra utilizada pela empresa em questão. Ela conta que todos os funcionários são estagiários e ela é freelancer. Apesar de possuir clientes fixos, o dono não se incomoda com o fato de não ter pessoas efetivadas em sua equipe.
Muitas vezes o empregado opta por negligenciar seus direitos em prol da manutenção do seu emprego, mas é imprescindível que as regras sejam seguidas e denúncias sejam feitas para a valorização do trabalhador.
É necessário que haja mudanças na postura ética empresarial dos contratantes e conhecimento de seus deveres e direitos por meio dos contratados, além da acusação que deve ser feita para que a prática se torne cada vez menos recorrente e o comunicador tenha, enfim, o seu valor reconhecido no mercado de trabalho.
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Acesse a reportagem multimídia: https://elasnamidia3.wixsite.com/verbalize
Produzido em Maio de 2018.
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