Meu primeiro contato com a morte: divórcio litigioso

Por Luciana Costa

De tarde, eu e minhas irmãs mais velhas fazíamos os deveres antes que papai chegasse em casa. Enquanto minha mãe cozinhava o jantar, ouvi o portão da garagem abrir e o barulho inconfundível do carro, disse para todas ouvirem: Papai chegou! Papai chegou! Não havia como esconder tamanha felicidade em meu rosto. Eram assim meus dias, quando eu tinha quatro anos, até eu perceber as mudanças, que começaram aos poucos.

Um dia, eu brincava e desenhava no meu quarto, imersa em uma fantasia infantil. Com o papel na mão, abri a porta grande do quarto dos meus pais: aos gritos, mamãe com raiva sentada na cama, papai virou para mim e puxou-me pelo braço e disse palavras que não entendia. A porta se fechou. Senti uma mão no meu ombro, minha irmã disse que eu não podia ter feito aquilo. Em pouco tempo, meu pai mudou-se para um apartamento, e dizia que agora eu tinha duas casas, uma com o papai e outra com a mamãe. Ainda não entendia os porquês de ter duas casas, não era mais fácil morar só em uma?

O divórcio desfez minha família: papai, mamãe e irmãs. Sozinhos, superaram para continuar a vida à sua maneira. Minha mãe tornou-se mais forte, porém, eu a ouvia chorar baixinho suas mágoas à noite. Ela se enterrou em um abismo afastando-se mais e mais emocionalmente. Meu pai já vivia afastado e longe de nós. Eu aprendi os dias da semana para saber quanto tempo faltava para vê-lo. Ele, por sua vez, conheceu o espaço branco de uma casa, sentiu o peso da solidão e as consequências das suas escolhas.

Bom, eu não me lembro do momento em que papai foi embora… Lembro do sentimento de que faltava algo em casa e nada estava no lugar. Aprendi o que era saudade e senti o vazio da ausência - mas não era o papai que faltava, era a minha família. Assim, meu primeiro contato com a morte aconteceu - apesar de não entender exatamente o que falecia dentro de mim.

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Produzido em atividade em sala.